Sempre que envias um email através do Gmail, a Google lê-o.
Não é um ser humano na Google, claro; é uma máquina.
Mas a informação da tua mensagem está a ser processada. O sistema do Google sabe que compraste um anel de casamento. Conhece os sites onde te registaste. Sabe a que pessoas diriges palavras ternas, e a que pessoas escreves com aspereza. Sabe até em que alturas do dia és mais terno, e em quais és mais áspero.
Podemos não usar o email da Google, certo? Quem o usa, sujeita-se. É o preço que paga pela conveniência de ter email rápido e grátis, certo?
Só que não é bem assim. Eu posso não usar um email da Google, mas se eu enviar o meu email a quem use, a Google vai ler o meu email na mesma. A única maneira de manter a privacidade da minha comunicação não é só não usar o serviço da Google, é não interagir com ninguém que o use.
Em tempos, a maioria das pessoas acreditou que havia um homem nas nuvens que conhecia todas as nossas virtudes e pecados, os nossos segredos mais íntimos.
Hoje, é a própria nuvem que os conhece.
E a Google dirá que todos esses dados estão anónimizados; que estão seguros, fechados a sete chaves num cofre e codificados de forma a que nenhum ser humano os possa descodificar.
Vale a pena parar para pensar: como nos sentiríamos se descobríssemos que, quando enviamos uma carta por correio, uma máquina a abria, fotocopiava o conteúdo, e voltava a fechar e reencaminhar? Será que nos bastaria que os serviços postais nos garantissem de que era apenas a máquina, e que as fotocópias nunca seriam tocadas por um ser humano?
Todas estas defesas e seguranças podem desaparecer com o pressionar de um par de botões.
É só o Homem na Nuvem querer.
Pintura: “Júpiter Nota Callisto” por Nicolaes Berchem