Eregar tinha tido pesadelos a sério, daqueles de acordar em suores frios. Sonhos em caía do topo de uma montanha para dentro de um precipício sem fim. Batalhas em que um golpe cruel o tinha deixado sem uma mão, um braço, ou uma perna. Ou até o horrível destino de ser esmagado por cavalos em carga, mas sem o alívio do sono doce da morte; tornado um aleijado esquecido, partido, a arrastar-se e a sangrar lentamente até ao doloroso destino final.
Mas o que ele vivia agora, era doloroso demais para ser um pesadelo. Era demasiado, o latejar na cabeça, a tempestade perfeita de pressão no sangue, dor nos ossos, gritos nos ouvidos. Aqui e ali, o som de pedra a cair pontuava o trovejar desta tempestade interna. Isso, e a voz do mestre Danilo.
“Eregar! Eregar! Acorda, rapaz. Acorda!”
O cavaleiro-escudeiro não tinha notado que tinha os olhos fechados. Estava convencido que se perdera na escuridão. Esforçou-se por os abrir, por tentar ver o mestre, mas nada.
“Eregar! Bebe!”
Um objecto frio abriu-lhe a boca à força, enfiou-se por entre os lábios e os dentes. Do frio fez-se fogo que lhe escorreu pela garganta e lhe incendiou o peito. O ardor espalhou-se daí, percorreu o corpo do escudeiro até às extremidades.
Eregar abriu os olhos. Fê-lo de forma lenta, um despertar sonolento, ao ritmo da vibração que lhe latejava a cabeça, ao som do barulho que se recusara a ficar no mundo dos sonhos. O cavaleiro levou a mão à cabeça, à região entre o olho e o ouvido. Sentiu uma picada, acompanhada pelo molhado pegajoso de sangue.
“Não é nada, não te preocupes!” Disse-lhe o sacerdote, que o escudeiro mal conseguia ver. O sol estava intenso como nunca antes tinha visto, e magoava-lhe os olhos.
“Levanta-te, rapaz!” Danilo puxou-o por um braço, ajudou-o a erguer-se contra a parede de pedra. Eregar, ainda embriagado pela dor, focou-se num detalhe, num detalhe muito estranho. Como conseguia Danilo, um sacerdote, um curandeiro, levantá-lo a ele, um guerreito musculado e pesado, completamente equipado com sua armadura de cota-de-malha e couraça de metal? E mais, o sacerdote fê-lo com tamanha facilidade, como se de um bebé recém-nascido se tratasse!
Danilo, entretanto, já uma espada lhe tinha posto nas mãos.
“Os de Lohan destruíram o portão, e a maior parte da parede, mas o átrio interior ainda nos pertence.” Disse o sacerdote, apontando para para uma região abaixo deles, uma região onde a poeira ainda reinava sobre o ar.
Eregar esforçou-se, cerrou a vista numa tentativa de ver para lá das nuvens de poeira e destroços. A batalha que há instantes parecia estar dentro da sua cabeça, passava-se afinal no interior da fortaleza. Guerreiros do norte defendiam escadas, portas, e formavam barreiras humanas por entre destroços do portão e da parede Sul. Os invasores sulistas empurravam-nos, escorriam por entre a brecha como uma enchente na época de cheias.
E no centro da batalha, no olho da tempestade, o cavaleiro-escudeiro viu Adamus. O seu comandante alteava-se no campo de batalha como um deus da guerra, de espada e escudo, a manter, com largos golpes circulares, a enchente à distância.
“A escada a norte está desimpedida, rapaz.” Disse Danilo. “Vai ajudá-lo, depressa!”
Eregar agarrou com mais força na espada, apertou-a até lhe doerem os dedos, tal era o medo de a largar, e cambaleou em direcção à batalha.
Fotografia: Quentin Verwaerde Flickr via Compfight cc